No dia 17 de setembro celebra-se
a festa da impressão das chagas de São Francisco de Assis. Os estigmas que
Francisco recebeu em 1224, no Monte Alverne, após uma visão do Cristo
crucificado em forma de Serafim alado, são sinais visíveis de sua semelhança à
humanidade de Cristo, nos seus três modos: na vida, na paixão e na
ressurreição.
Francisco encontrou-se pela
primeira vez com o Crucificado na pequena Igreja de São Damião. Num certo dia,
conduzido pelo Espírito, entrou nessa Igreja e prostrou-se diante da imagem do
Cristo crucificado que, movendo de forma inaudita os seus lábios, disse:
“Francisco, vai e restaura minha casa que, como vês, está toda destruída” (2Cel
10,5). E, conta-nos Celano, que Francisco sentiu desde então uma inefável
mudança em si mesmo, pois são impressos mais profundamente no seu coração,
embora ainda não na carne, os estigmas da venerável paixão.
No entanto, foi ao ouvir o
Evangelho acerca da missão dos apóstolos (Mt 10, 7-13), que Francisco
compreendeu o real significado da voz do Crucificado, e imediatamente exclamou:
“É isto que eu quero, é isto que eu procuro, é isto que eu desejo fazer do
íntimo do coração” (1Cel 8,22). Assim, sob o toque ou o apelo de uma afeição,
começou devotadamente a colocar em prática o que ouvira, isto é, distribuiu aos
pobres todos os seus bens materiais, bem como renegou-se a si mesmo para que,
exterior e interiormente livre, pudesse ir pelo mundo e anunciar aos homens a
paz, a penitência e, enfim, o amor não amado de Deus.
Francisco, por inspiração divina,
abraçou pobre e humildemente a cruz de Jesus e deixou-se impregnar, arrebatar e
transformar totalmente pelo espírito de abnegação divina. Isso quer dizer que a
imitação de Cristo, por parte de Francisco, não é mera repetição mecânica dos
gestos exteriores de Jesus, mas é manifestação de sua profunda sintonia com a
experiência originária de Jesus Cristo: o Reino de Deus. Somente quem possui o
Espírito do Senhor pode observar “com simplicidade e pureza” a Regra e o
Testamento de São Francisco e realizar em si mesmo as santas operações do
Senhor.
Na Terceira consideração dos
sacrossantos estigmas considera-se que, aproximando-se a festa da Santa Cruz no
mês de setembro, o pai Francisco, na hora do alvorecer, se pôs em oração,
diante da saída de sua cela, e entre lágrimas orava desta forma: “Ó Senhor meu
Jesus Cristo, duas graças te peço que me faças antes que eu morra: a primeira é
que em vida eu sinta na alma e no corpo, quanto for possível, aquelas dores que
tu, doce Jesus, suportaste na hora da tua acerbíssima paixão; a segunda é que
eu sinta no meu coração, quanto for possível, aquele excessivo amor do qual tu,
Filho de Deus, estavas inflamado para voluntariamente suportar uma tal paixão
por nós pecadores”.
E, relata Boaventura que,
enquanto Francisco rezava, “viu um Serafim que tinha seis asas (cf. Is 6,2) tão
inflamadas quão esplêndidas a descer da sublimidade dos céus. E […] apareceu
entre as asas a imagem de um homem crucificado que tinha as mãos em forma de
cruz e os pés estendidos e pregados na cruz. […] Imediatamente começaram a
aparecer nas mãos e nos pés dele os sinais dos cravos” (LM 13,3). Assim,
Francisco transformara-se todo na semelhança de Cristo crucificado (cf LM
13,5). Pois, de fato, trazia Jesus no coração, na boca, nos ouvidos, nos olhos,
nas mãos, nos sentimentos e em todos os demais membros (cf. I Cel 9,115), e consequentemente
podia exclamar com o apóstolo Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu, é Cristo que
vive em mim” (Gl 2,20).
O Pobre de Assis, no seguimento
de Jesus Cristo, perdeu a sua própria vida, mas recuperou-a inteiramente em
Deus, de acordo com a palavra do Evangelho: “Quem perder a sua vida por causa
de mim vai encontrá-la” (Mt 12,25). Todavia, Francisco não somente reencontrou
a si mesmo em Deus, como filho de Deus, mas a todos os seres do universo. O
Cânticodas Criaturas, que compôs pouco antes de sua morte corporal, é expressão
jubilosa dessa intensa experiência eco-espiritual: “Louvado sejas meu Senhor,
com todas as tuas criaturas”.
O pai Francisco tornou-se assim
um mestre na sequella Iesu. De imediato despertou o fascínio de muitas pessoas
e atraiu muitos discípulos e discípulas, entre as quais, Santa Clara.
A impressão das chagas
Há cerca de 18 anos que São
Francisco levava uma vida de heroica pobreza, quando Frei Elias, seu vigário no
governo dos Frades Menores, teve uma revelação: o Santo não passaria mais de
dois anos aqui na Terra. Seguindo a ordem recebida, Elias transmitiu a São
Francisco a comunicação celeste.
O Santo não temia a morte. Tinha
cortado, pelo seu despojamento total, os vínculos que o ligavam à terra; tinha,
a exemplo do Apóstolo, conquistado o domínio sobre o seu corpo: a sua alma
devia desprender-se sem dilaceramentos do seu invólucro físico.
Se não tremia perante a
aproximação do momento fatal, queria pelo menos preparar-se para comparecer
diante do Soberano Juiz. Partiu, pois, rumo à solidão, para se recolher por
algum tempo.
Durante o verão de 1.224 esteve
no pequeno convento de Alverne. Era uma clausura rústica, construída
precariamente no cimo de uma montanha escarpada. As grutas abertas nas rochas,
os bosques povoados de pássaros, o afastamento dos centros habitados tornavam o
sítio encantador e particularmente propício aos exercícios da contemplação.
O Santo amava esta morada que
outrora lhe tinha sido dada pelo Conde Orlando, senhor de Chiusi. Logo que
chegou ao lugar do seu retiro, Francisco iniciou um jejum de 40 dias em honra
de São Miguel. Consagrava o tempo à
oração, que lhe propiciava delícias que nunca lhe pareceram tão saborosas.
Suplicou ao Senhor que lhe desse a conhecer as obras às quais
deveria consagrar os últimos dias da vida. Como resposta, Deus cumulou-o com
abundância de suavidades interiores. Então o Santo recorreu ao seu procedimento
habitual: abriu o Evangelho ao acaso, por diversas vezes, esperando encontrar
ali uma indicação.
Por diversas vezes caiu no relato
da Paixão. Esta coincidência surpreendeu-o: concluiu que o Salvador queria
uni-lo mais intimamente aos seus sofrimentos.
Os calores estivais declinavam; o
Alverne já se revestia com os esplendores do outono. Debaixo das grandes
árvores, cuja folhagem se tornava dourada, Francisco pensava na adorável
imolação de Cristo, quando subitamente lhe apareceu um Serafim resplandecente
de luz. O Anjo aparentava uma semelhança admirável como Salvador pregado no
patíbulo.
O Santo reconheceu estupefato os
traços do divino Crucificado; a sua alma inflamou-se com amor tão ardente e tão
doloroso, que o seu débil corpo não aguentou: caiu em profundo arrebatamento.
Que aconteceu durante este
êxtase? Os mistérios de amor não se divulgam: São Francisco guardou ciosamente
este segredo. Confessou, no entanto, que recebera nessa altura revelações
sublimes, mas nunca quis comunicá-las.
Quando a visão se desvaneceu, uma
transformação tinha-se operado nele: na sua carne estavam gravados os sagrados estigmas da
Paixão.
Grandes feridas lhe rasgavam as
mãos e os pés: nas cicatrizes percebiam-se nitidamente as cabeças negras dos
pregos. Uma chaga mais larga abria o seu costado e deixava filtrar algumas
gotas de sangue. Francisco tornara-se um crucificado vivo.
Um prodígio assim não podia
passar inadvertidamente. Apesar de todos os esforços para afastar as
curiosidades indiscretas, o Santo não conseguiu esconder inteiramente os
estigmas. O seu prestígio, já tão grande, aumentou ainda mais: a sua vida
terminava numa espécie de apoteose.
O Serafim que imprimira no seu
corpo as chagas de Cristo, também as enterrara no seu coração. A partir daquele
dia, Francisco não fez mais do que esmorecer lentamente no duplo martírio da
dor e do amor.
Ainda percorria penosamente os
caminhos da Úmbria, a pregar menos pela palavra do que pelo exemplo. Deixava,
ao caminhar, irradiar da sua alma o imenso amor pelo divino Mestre;
manifestava-o em termos tão veementes, que sentia por vezes a necessidade de se
desculpar.
“Não fostes Vós que nos destes – dizia ele ao Salvador – o
exemplo desta sublime loucura? Vós vos lançastes á procura da ovelha
desgarrada; caminhastes como um escravo, como um homem inebriado de amor”.
Para adornar sua coroa, Deus
mandava-lhe as últimas provações. O Santo notava que alguns religiosos, embora
poucos, desejavam restringir a pobreza da Ordem: previa que os seus filhos
atravessariam, depois da sua morte, uma crise perigosa.
A esta tristeza acrescentava-se o
peso da doença. A saúde declinava, a vista apagava-se; os remédios mais fortes
só lhe davam umas melhoras precárias.
São Francisco mantinha, apesar
das dores, uma alegria apaziguadora. Mas o seu espírito desprendia-se cada vez
mais das preocupações terrenas; o seu recolhimento tornava-se mais profundo. Os
que estavam à sua volta percebiam a aproximação da hora da recompensa.
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